Numa profecia condenada a autorealizar-se, muitos avisaram: "qualquer
dia morre alguém por causa do ambiente em redor do futebol". Esse dia
chegou (de novo) neste fim-de-semana.
Parte da explicação para o que se passou às portas de um
Sporting-Benfica passa pela onda de violência verbal que hoje envolve o
futebol, e que tem na mediatização imparável um rastilho relevante. Mas é
abusivo estabelecer algum tipo de causalidade entre incontinência
verbal e a morte de um adepto.
Um pouco por toda a parte, o futebol tornou-se o último reduto da
pertença identitária e espaço para sentimentos excessivos, por definição
irracionais. Precisamos disso, mas das paixões exacerbadas à violência o
caminho é curto. Pelo que convém que as estradas estejam bem reguladas.
Não estão.
É intolerável que dirigentes se entretenham a desculpabilizar os
adeptos ultra dos seus clubes, porque os dos outros são piores. Não são.
O que não impede de reconhecer que há níveis distintos de
responsabilidade: não é a mesma coisa um presidente que se comporta como
membro de uma claque e um presidente que finge que as claques podem
estar fora da alçada do clube. Do mesmo modo que, como mostram exemplos
de países que lidaram com a violência no futebol, é possível erradicar
quase totalmente o fenómeno (por exemplo, irradiando adeptos dos
estádios, sem complacência).
O que não é possível é um país ter no futebol uma indústria de
sucesso, enquanto a imagem do desporto se degrada de forma inadmissível.
O meu pedido como adepto incondicional é simples: aos dirigentes que
ganhem juízo, às autoridades que tenham mão pesada com os
prevaricadores.
publicado no Record de 25 de Abril